Francisco Rezende é um desses raros artistas que brilhantemente explora o atrito entre os lugares e seus contextos e as coisas e pessoas que os habitam. Já em suas obras inaugurais, com frequência ele parte da apropriação de um espaço, a introdução de um elemento novo e o seu abandono. São propostas que giram em torno de deslocamentos quase sempre compartilhados com o público e sobre os quais a sua atuação por vezes se limita à simples evidência do movimento. O que o interessa desde esses primeiros anos é trabalhar lugares como testemunhas, memórias e potências poéticas.
É o caso, por exemplo, da instalação Beautiful and Comfortable (Belo Horizonte, 2003) e da performance-instalação Cera (Ouro Preto, 2002). Entretanto, para além daquilo que é já consolidado, Francisco Rezende também propõe situações em que questões são criadas pela introdução de um elemento inusitado, como nas obras Cupins (João Pessoa, 2006) e Breve Aqui (Biribiri, 2003) que, em especial, convidam o público a imaginar uma releitura do espaço, sobrepondo presente, passado e futuro em uma narrativa repleta de significados.
Em 2013, debruçado sobre as páginas da Revista Piauí, o artista começa a criar nelas intervenções que passeiam livremente entre o desenho, a colagem e a assemblagem. Nesse mesmo sentido, produz ainda a obra ABC África (Belo Horizonte, 2013). Em 2015, após ser convidado para cuidar de um rancho isolado na Serra do Intendente, em Minas Gerais, retoma definitivamente a prática instalativa. O lugar havia pertencido a um amigo próximo, falecido há um ano, e em cuja homenagem Francisco, em colaboração com a família, organiza uma exposição. Nessa ocasião, ele inicia o exercício que denomina como ‘o contínuo movimento de abrir gavetas dentro de gavetas’. Os cenários, as histórias e os objetos que por quatro décadas permaneceram silenciosamente a postos no rancho, indiferentes a qualquer possível obsolescência ou restrição de uso, são a matéria escolhida pelo artista para as obras apresentadas na exposição O que se Pode Saber de um Homem (Belo Horizonte, 2016).

A produção artística de Francisco, a partir de então, estabelece um diálogo contínuo entre seus desenhos nas páginas da Piauí e sua forma de abordar o mundo. Nos trabalhos seguintes, o artista parece de fato pensar a intervenção no espaço como o faria sobre o papel, propondo cenários que, emanando de objetos por ele mesmo projetados, podem ser facilmente realocados. Sobretudo, são ainda propostas que apelam diretamente ao público por referirem-se sempre a um universo corriqueiro, projetando um novo olhar a partir de obras que são como enunciados. É o caso de A Fabulosa História (Belo Horizonte, 2018) e Bolsa de Festa (Belo Horizonte, 2019), em que Francisco claramente apropria-se do cotidiano popular para propor reflexões.

Goma (Belo Horizonte, 2019) talvez seja sua obra mais interativa. Nos braços do público, o objeto artístico parece esquecer suas origens de escritório e revelar-se digno herdeiro da Obra Mole, de Lygia Clark (1964), sendo escultura nova a cada gesto de força empregado. Finalmente, em 2019, o artista deixa a proporção do que é manipulável e experimenta grandes tamanhos na obra Bacia das Almas (Belo Horizonte, 2019), retomando alguns aspectos de sua produção primeira, dessa vez com um forte acento gráfico e objetual, talvez mais uma herança de suas intervenções na Revista Piauí.

Existe em Francisco Rezende uma inquietação que parece convidar continuamente à apropriação do entorno. Seja sobre papel, em performances ou, mais recentemente, em objetos projetados. Trata-se de um artista que, a partir de uma reflexão sobre a realidade como experiência, como espaço vazio no layout de uma revista, faz questão de anunciá-la a seu modo, de revelá-la plástica e desenhável ao público. Em um mundo onde o conteúdo abstrato é cada vez mais central, esse é um artista que propõe a retomada consciente do espaço pela mente criativa e subjetiva, comum a todos.
Por Luíza Marcolino